A Consciência Negra na luta pela moradia digna

Sexta-feira, 30 de Novembro de 2018

Por Rafael Brito

 

No dia 20/11/2018 foi celebrado o Dia Consciência Negra. Neste ano, a data marca 324 anos da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência e da cultura negra do país.


Sendo Zumbi um importante líder na defesa do ideal que acreditara, o Quilombo dos Palmares, em Pernambuco, deve ser entendido como uma comunidade reduto da cultura de um povo escravizado e marginalizado naquela sociedade.  


Também considerados às margens da sociedade formal, as favelas e os assentamentos rurais apresentam um ponto em comum: a solução encontrada pelos mais desfavorecidos para suprirem o direito básico de terra e habitação, dentro das condições de suas realidades.


Essas comunidades trazem como marca, desde a sua origem, os contrastes da falta de infraestrutura básica, como água tratada, rede de energia elétrica e rede de esgoto.


Nesse contexto, os moradores encontram as soluções próprias para o seu cotidiano. É nesse espaço que surgem lideranças que mantém a comunidade engajada na busca de soluções. Seus moradores organizam-se de acordo com suas possibilidades e reinventam maneiras para minimizar as adversidades do dia a dia.


Neste mês de reflexão da Consciência Negra, o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro foi atrás da opinião de lideranças negras das diversas comunidades assistidas pela instituição. Quatro delas deram o retorno contribuindo com seus pontos de vista sobre o que representa essa data também no contexto da luta por moradia digna.


Prédio Ocupação Manuel Congo (Centro do Rio/RJ) 


Diretamente de um prédio ocupado de forma bem sucedida no Centro do Rio, Elisete Napoleão, uma das lideranças da Ocupação Manuel Congo, deu sua contribuição. 


“A gente comemora esse dia da Consciência Negra para lembrar que nós negros precisamos a cada  dia nos manter firmes na luta, buscando também nossos direitos. Há alguns anos a data que nos faziam celebrar era o 13 de maio, com a tal da Abolição da Escravatura, que não ocorreu de forma justa e igual neste país tão grande. Muitos de nossos irmãos continuaram sendo escravizados no interior do Brasil. Já o Dia da Consciência Negra é marcado pela luta de Zumbi dos Palmares pela manutenção de uma comunidade construída sob os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade", destaca Elisete


Para ela, a partir desse viés, é interessante discutir a regularização fundiária e o direito à cidade em nossos dias, considerando os direitos negligenciados desde Lei de Terra (1850), pela qual os ex-escravos foram proibidos de adquirir terras, com consequências negativas até hoje.


“A gente tem muito o que trabalhar e, diante da conjuntura nacional, ainda temos muito o que avançar. Mas, apesar das poucas conquistas, temos que comemorar sim, lembrando desse marco que foi a comunidade de Palmares”, aponta a mulher-liderança de Manuel Congo.

 

 

Quilombo do Camorim (Zona Oeste do Rio/RJ)


Adilson Almeida é o presidente da Associação Cultural Quilombo Camorim (ACUQCA). A comunidade quilombola reúne 20 famílias que se autodenominam como descendentes de escravo fugitivos que não se adaptaram ao trabalho em solo brasileiro. Ela está situada na fronteira com o Parque Estadual da Pedra Branca, uma das maiores florestas urbanas do mundo, na Zona Oeste carioca. 


Embora o Quilombo do Camorim enfrente dificuldades como a oposição ao seu reconhecimento enquanto quilombo, com a recente construção em terras reivindicadas pela comunidade — inclusive no local de um cemitério ancestral — da Vila de Mídia Olímpica, usada por jornalistas durante as Olimpíadas de 2016, recentemente o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) certificou o Sítio Arqueológico do Engenho do Camorim como um lugar de importância cultural e histórica para a cidade do Rio de Janeiro. 


Desde 2016 um trabalho acadêmico de doutorado da UFRJ tem ajudado a encontrar milhares de fragmentos de vasos de cerâmica usados para a produção de açúcar, assim como louças, ferramentas e cachimbos usados por escravos e cerâmicas indígenas. 


É com a força da resistência que Adilson se manifesta: “o que me traz felicidade é resgatar, reviver e preservar a história dos nossos antepassados, a minha história e a história da nova geração que está chegando”, diz.

 

 

Comunidade Quilombola Preto Forro (Cabo Frio, Região dos Lagos/RJ)


Da capital fluminense à Região dos Lagos, a contribuição veio da liderança da comunidade de remanescentes de Quilombo do Povoado de Preto Forro, em Cabo Frio, Eliane dos Santos. Elas conta que a comunidade lutou por mais de 30 anos pela terra.


“A ironia é que se luta por uma terra que você sabe que é sua. A gente tem que resistir em uma terra que sabemos que nos pertence”, reflete Eliane. Para ela, a regularização fundiária ocorrida em 2011 na comunidade quilombola foi um privilégio muito grande.


“Mesmo assim, não consideramos nossa luta terminada porque muito de nossos irmãos, nossos companheiros, ainda não tiveram a mesma dignidade que nós”, conclui a líder quilombola.

 

 

Comunidade Quilombola Maria Romana (Cabo Frio, Região dos Lagos/RJ)


“Fazendo uma reflexão do 20 de novembro, mês que comemoramos a Consciência Negra, podemos ver muitos avanços pelos quais o estado brasileiro tem reparado algumas dívidas histórica com o nosso povo. As cotas nas universidades e serviços públicos, as titulação de terras das comunidades quilombolas e áreas urbanas -  apesar de ser muito lenta ainda - o bolsa família, o programa “Minha Casa, Minha Vida”, são exemplos de ações que atendem os menos favorecidos, em sua maioria, negros”, diz o Presidente do Quilombo Maria Romana, Lamiel Barreto.


Ele se sente grato pelo que ele chama de “desenvolvimento extraordinário da comunidade”, promovido pelo estado do Rio de Janeiro, por meio do ITERJ. “Hoje temos nosso território delimitado, acompanhamento de assistência técnica, insumos agrícolas, caminhão e com isto comemoramos o mês da concorrência negra com muito orgulho. Ainda que falte outras conquistas, aos poucos estamos conquistando a tão sonhada dignidade”, conclui Lamiel.

 


Com essas falas emblemática, o ITERJ parabeniza a todos os líderes e moradores das diversas comunidades fluminenses que lutam e acreditam em seus ideias, vislumbrando dignidade para si e para o seu coletivo.

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